terça-feira, 10 de julho de 2012

AMORES VULNERÁVEIS



Epístola Primeira

Amor,

Sinto-me mal, mas não havia outra maneira de lhe dizer isso. Não posso mais. Estou arrasado e imagino que estejas também. Mas alguém tem que ceder e eu sou esse alguém. Saio antes que os danos sejam irreversíveis. Melhor assim? Não sei. Não tenho uma bola de cristal, mas imagino que a solução seja a mais correta.  Aliás, dane-se o correto, o certinho, as coisas justas. Você me ensinou a ser assim: “A transgredir, por mais que me custe”. “Sair dos trilhos”, você sempre prega.
Hoje estou mais leve. Imensamente aliviado. Dói ainda e vai doer por um bom tempo, suspeito. Mas a compensação em ter a consciência em paz me diz que a médio prazo, estarei bem. Estaremos bem. Você e eu, cada qual em seu caminho, trilhando seu destino, buscando sua cara metade. Quase encontramos, estávamos prestes a formar o encaixe perfeito, tipo um cubo mágico, quando algo se rompeu. Rompeu-se, entende? Não há cola no mundo que possa remendar essa fissura.
Não vou mais tomar seu tempo. Espero que me perdoe e me esqueça. Eu já perdoei e saberei esquecer. Time after time, diz aquela velha canção. O tempo vai curar tudo. E vai lavar as mágoas. Sei que estou parecendo uma colagem de frases retiradas de pára-choques de caminhão, mas não consigo ser original hoje.
Beijos,

João.

Epístola Segunda

Amor,

Resolvi voltar atrás e te pedir perdão. Que reconsidere minha carta anterior e entenda que quando a escrevi estava em profundo estado de depressão. Não havia superado a perda e tampouco havia aprendido a perdoar. Acredite, agora eu sei. Mudei, sou um novo homem e espero que me dê uma nova chance. Vamos fazer o seguinte: passamos uma borracha no passado e começamos do zero. Podemos até fingir que não nos conhecemos, você chega ao Jimmi’s Bar com seu cabelo molhado e seu jeitinho meio atrapalhado (e adorável), e derruba uma taça de vinho da casa em minha calça nova (de novo). Eu compro outra. Vale a pena ver sua carinha linda e confusa e sua expressão de querer compensar algo. Adoro esse seu jeitinho compungido de fazer as coisas. Vai avançando, atropelando, mas ao primeiro obstáculo, recua, pede desculpas, mostra sua verdadeira personalidade. Doce e intensa. Amor, não consigo te chamar de outra coisa, volte.

Seu, João.

Epístola Terceira

Amor,

Esperei dois dias inteiros e nada. Ou como dizia Erasmo na música “já fumei um cigarro e meio e Narinha não veio”. Minha vida parou. Sem você, ela não tem mais sentido. Preciso ouvir tua voz, nem que seja para me atingir, ofender. Como da última vez que brigamos e seus gritos acordaram os vizinhos. Pior foi explicar ao policial com quem eu havia estudado no colegial que não íamos nos matar, no meio daquela cena dantesca de móveis quebrados e objetos espalhados pela sala do apartamento.
Vou ser sincero: não consigo viver sem você. Até o ar que respiro,  precisa de você para ser efetivo e me manter vivo. Repassei mentalmente, como quem revê um velho filme favorito, toda a nossa história. Valeu muito a pena. Vale muito você me perdoar. Desta vez eu vou mudar, prometo. Tentei ligar, mas ninguém atende. Confesso: liguei na casa de sua mãe, mas pela frieza que senti dela, acho que ela não te deu o recado.
Estou aqui, seu e seu.

Muito seu, João.

Epístola Quarta

Amor,

Não consigo mais respirar. Meu peito arde e me falta ar. Não vou trabalhar há três ou quatro dias. Acho que emagreci um bocado, perdi o apetite. Não faço a barba há um tempo. Acho que ficou legal, lembra que você sempre me pediu para deixar a barba, como o George Clooney naquele filme? E que eu, por ciúmes, falei que ele era gay, que o filme era uma merda (e é mesmo, mas foi despeito)? Anjo: para de me torturar assim. Vamos fazer um trato: saímos para um café. Só preciso que você me dê meia hora, me ouça. Toda questão tem dois ou mais lados. Vou te mostrar que nossa historia só tem um desenlace: nossa felicidade juntos.
Sabe que sinto falta de tudo? De nossas brigas. Da sua mania de me censurar sem palavras. Do seu olhar severo, onde arqueia as sobrancelhas e os olhos ficam mais escuros e parecem duas jabuticabas. Sinto falta de você demorar horas no banho e eu reclamar do absurdo da conta de luz.


Seu, seu e só seu, João.

Epístola Quinta

Amor,

Entendi agora. Você quer me torturar cruelmente. Matar-me de inanição. Pois bem, conseguiu! Pare agora. Destruiu meu ego, assim como um sargento sádico faz com uma tropa de recrutas inseguros e imberbes. Jogo-me a teus pés. Rendo-me incondicionalmente. Defina seus termos que minhas tropas capitulam incontinenti! Já entendi o teor de seu silêncio. Ele é a mais atroz demonstração de seu desprezo. Mesmo assim, rastejo até você. Aceite minha rendição sem honra e dite as condições que quiser. Estou magro, barbudo, insociável. Você é minha religião, minha razão de viver, minha obsessão, quiçá a razão de morrer. Responda, por favor.

Inteiramente seu, João.

Epístola Sexta

Amor,


Não mais voltarei a te incomodar com minhas lamúrias. Tomei uma decisão e não volto atrás. Esta é uma carta de despedida. Não saio de casa há dias, não leio os jornais, não ligo a tevê, e nem escuto o rádio. Antes caminhava até o correio, para poder te enviar minhas muitas cartas (sem respostas). Agora descobri uma caixinha de coleta bem em frente ao meu prédio, e como tenho um estoque de selos, sei que as cartas têm chegado até você. Minha conclusão é que não vamos ter uma segunda chance, que você realmente superou a minha ausência, que o amor era unilateral afinal. Não vou conseguir viver com isso. Não vejo razão para tal. Vou partir, mas não quero que você sinta algum tipo de remorso. Alivio-te deste sentimento, e devo dizer que estou ansioso para livrar-me do fardo de viver. A esta altura, provavelmente já não tenho mais emprego e meus (poucos) amigos desistiram de mim. Meu telefone foi cortado há dois dias e a comida acabou também. Restam-me os comprimidos para dormir, e é o que farei. Dormirei com a esperança que venha com o sono o alivio desta carga que me oprime. Siga sua vida e tente pensar em mim nos bons momentos. Seja feliz e de onde estiver, estarei olhando para você com carinho e gratidão.

Adeus, João.


Manchete de Jornal:

Greve de correios atrapalha população.

Manchete de Jornal:

Encontrado corpo de jovem escriturário

Nota de Jornal:

O jovem escriturário da Companhia Mercantil Docas Reunidas João Feliciano Morel foi encontrado morto em seu apartamento no bairro de Botafogo em avançado estado de decomposição. Amigos disseram que o rapaz sofria de alucinações e se referia constantemente a uma namorada imaginária, que nenhum deles jamais conheceu.

Manchete de jornal:

Correios normalizam entregas de correspondências.

Manchete de jornal:

Jovem encontrada morta em circunstâncias misteriosas

Nota de jornal:
A jovem Carolina do Vale Diniz, foi encontrada morta em seu apartamento na cidade de São Paulo, bairro de Perdizes esta manhã. As circunstancias de sua morte ainda estão sendo apuradas, segundo o delegado de plantão Geraldo Petit. Ele diz ter estranhado haver muitas cartas abertas e espalhadas pelo chão do apartamento, em volta do corpo, além de um frasco de pílulas para dormir vazio. A família diz que a jovem era muito reservada e viajava constantemente ao Rio de Janeiro a trabalho.

Nenhum comentário: