terça-feira, 2 de junho de 2009


Penso nesse momento em tantas coisas, e queria não pensar em nada. Preciso, preciso aprender a meditar, a soltar minha mente a vagar pelos enormes espaços vazios que se deparam a minha volta.
O acidente com o avião da Air France, pela sua violência, seu despropósito, nos traz de volta um pouco da humanidade perdida em nossos endurecidos corações massacrados diuturnamente por notícias de tragédias, guerras, gripes, massacres, atropelamentos e tanta impunidade.
Nesses momentos de dor e angústia coletivas, sentimos um certo elo a unir a humanidade, uma busca interna e íntima de um sentido ancestral pelo significado da vida, da existência, que seja para além das trivialidades da sobrevivência e das supérfluas necessidades materiais cotidianas.
Desesperadamente olho para cima tentando nivelar meus pensamentos e enxergar além. Difícil, quase impossível. Desisto de entender e me rendo a um mistério maior, uma evidência da impotência sentida e reafirmada a cada dia. Pequeno, minúsculo, desisto, entrego os pontos e decido parar de tentar ser divino, como me foi ensinado desde pequeno. "A imagem e semelhança de Deus...." são palavras bonitas, mas inócuas.
Vamos em frente. A caminhada é longa, mesmo que não pareça. A dor que nos aflige vai passar e um novo dia vai nascer. Vamos carregando algumas coisas e nos desfazendo de outras, no alforje imaginário de nossa viagem na linha do tempo.
Eu queria falar de corridas, mas agora não dá. Que os Max-nazistas-sadomasoquistas e os Bernie-avarentos da vida me perdoem, mas hoje não lhes darei ibope. Quem sabe mais tarde, mas no momento, meus pensamentos estão em algum ponto perdido do oceano Atlântico, assim como minhas orações.

domingo, 19 de abril de 2009

DEVANEIOS & SEMIÓTICA: MUNDO MODERNO.


Vivemos a época dos avessos. De tanto esculachar as idiotices de programas televisivos como o "Big Brother" e as pragas derivadas, de tanta orejiza que nos causam os excessos de programas tipo "Pãnico na TV", "Domingão do Faustão e suas cacetadas (como se ouvir a voz do infeliz a tarde toda em loas áos contratados da Globo não fosse em si uma tremenda cacetada)", acabamos por, perdidos sem lanterna numa noite escura e úmida, sem luar, a dar valor a coisas que realmente não o tem.
Explico melhor: a nova onda da internet, mais especifícamente do youtube é uma rotunda e caipira senhora escocesa, feia de doer, que no programa "Britain got talent", o mesmo que revelou o insosso Paul Potts cantando "Nessum dorma" no ano passado - cantando mal, mas isso é secundário claro, estamos a falar de símbolos, semíótica mesmo - que ao criar expectativas negativas baseadas apenas e tão somente em sua peculiar(?) imagem, ao abrir a boca e cantar razoavelmente bem, causou uma catarse coletiva e intergalática, graças á TV e ao Mr. Youtube.
Se todos esperamos pessoas plastificadas, maquiadas, com dentes perfeitos (isso muito me incomoda, como conseguem?), peles de seda, decotes milimetricamente estudados, o oposto, ou seja uma mulher comum e feia = comum sim, porque há muito mais gente feia no mundo que gente bonita, isso é fato, ao surgir na mídia não deveria causar tamanho espanto. Não deveria, mas à exemplo das idióticas cacetadas do gordo global ( que usam risadas pré gravadas para disparar o riso da platéia) somos vacas de presépio a seguir obedientemente á vaca que carrega o guizo.
Se uma pessoa vai a um programa de calouros, não tem a aparência bem cuidada, e sacrilégio dos sacrilégios, canta passavelmente bem e já vira manchete, o mundo realmente está precisando ser fechado por uns dias para avaliação de valores.
O fato da escocesa ter cantado não seria notável se ela fosse menos ingênua? menos feia? menos caipira? O que tem a ver o talento musical (ainda insisto, precário) com aparência, beleza ou estar dentro dos padrões midiáticos? Me surpreende ainda mais, pessoas inteligentes e formadores de opinião do porte de Barbara Gancia (do jornal Folha de São Paulo e blog próprio muito lido) e Paulo Moreira Leite da revista Época, levarem o assunto á baila em seus espaços. Os comentários dos leitores, todos de alma lavada contra os "preconceitos" e verdadeiros valores esquecidos, são ainda um acinte maior á minha já dúbia inteligência. Preciso da opinião do Reinaldo Azevedo e do doido do Mainardi, e se eles também se mostrarem maravilhados com a perua escocesa, eu me retiro....e quem vai reavaliar seus conceitos sou eu mesmo....

segunda-feira, 13 de abril de 2009

PENEIRA


Anoitecia e ele ainda não havia comido nada desde o frugal café da manhã, pão amanhecido e café preto. Para economizar havia cruzado a imensa cidade a pé, cansando-se bastante, mas não a ponto de desanimá-lo. Sabia que as coisas não lhe seriam oferecidas de bandeja desde que se entendia por gente, desde que seu pai os havia abandonado, sua mãe e seus outros cinco irmãos menores há cerca de 4 anos.

Agora não era a hora para reclamações, pois sua chance estava perto, muito próxima, ele podia sentir que o momento pelo qual tanto ansiava estava chegando finalmente. Sempre batera uma bola com os amigos, os vizinhos da favela onde vivia. Todos o elogiavam pela habilidade, pela destreza com que conduzia a bola, previam um futuro craque. O seu Manolo, espanhol dono da venda do lugar, prometia leva-lo a um clube grande, onde dizia ter contatos, para participar de uma “peneira”, mas isso foi antes da série de assaltos que sofreu, o que finalmente o levou embora do bairro.

Desta vez, sem que ninguém o avisasse, ficou sabendo da seleção que haveria no grande clube para o qual, por coincidência,  torcia quando viu uma nota no rodapé da pagina de um jornal de esportes, quase por acaso. Ligou para o telefone indicado, informou-se da data e dos horários, deixou seu nome por telefone mesmo, e nos últimos 5 ou 6 dias, mal podia dormir, tamanha a sua ansiedade.

Finalmente, após quase quatro horas de caminhada, avistou o enorme estádio de concreto, imponente e cheio de historia, onde se daria a escolha dos futuros astros ou apenas frustrados cidadãos do país do futebol. Ele não tinha chuteiras, nunca havia possuído um par, mas esperava que isso não fosse um problema intransponível. Dirigiu-se ao portão sinalizado com uma placa “testes”, com letras vermelhas e pretas e não pode deixar de lembrar-se de seu pai. Este sempre o incentivara a tentar a sorte no futebol, dizia ter sido um promissor centroavante em seus tempos de juventude, quando ainda vivia na Bahia, e que sua carreira gloriosa fora encerrada prematuramente por uma contusão no joelho.

Havia um enorme número de garotos de idade aproximada da sua, conversando, fazendo rodinhas, ansiosos, alguns com ares de imponência, provavelmente aqueles que já tinham experiências em “peneiras”anteriores, outros com ares amedontrados e olhares cabisbaixos, esperando seu momento. Dirigiu-se à pessoa que parecia ser o responsável, identificou-se e recebeu um pedaço de pano, com um numero: 1134. Este seria o seu único meio de identificação. Perfilou-se ao lado dos outros e esperou ansioso. Não tinha medo, o pior já passara, apenas sentia certa ansiedade, e fome, da qual já não se lembrava.

O teste foi rápido: os meninos eram estimulados a correrem com uma bola entre cones colocados no chão, conduzindo a de forma a mostrarem controle sobre seu traçado. Ali mesmo, alguns ficaram pelo caminho. Depois um rachão de cerca de dez minutos. Passou pelas duas fases, e foi encontrar-se com a psicóloga do clube, uma senhora elegante e distante. Quando ela lhe perguntou o que mais queria na vida, ele lhe respondeu: comer algo, pois tenho muita fome. Foi reprovado. E continuou com fome.

A BOLA VEIO ALTA




A bola veio alta, e o brilho dos holofotes lhe dificultava a visão. Seria sua ultima chance, talvez não apenas no jogo, mas sim no clube. Já avistara Deraldo, seu substituto, aquecendo-se ao lado do banco de reservas. Não marcava há seis partidas, o que para um centroavante era muito tempo. Estava pensando em encerrar sua carreira de altos e baixos, pontuada por algumas contusões, mas ainda não se sentia em condições econômicas para isso, pois tinha dívidas, pensões alimentícias, pendências na justiça contra antigos clubes que nunca cumpriam o que haviam prometido em contrato. Sentia que o goleiro do time adversário estava adiantado, como era seu costume, e tinha uma antipatia antiga pelo adversário, que sempre menosprezava os atacantes dos outros times, e ele em particular. Ainda lhe doía lembrar-se da última entrevista do goleiro, que afirmara não temer o ataque de seu time, composto apenas por “jogadores veteranos e sem pontaria”. Realmente hoje em dia, não se sentia capaz de intimidar as defesas inimigas como outrora, pois sua explosão era fraca, sua arrancada lenta e sua pontaria, bem...sua pontaria deixava a desejar. Contava com a simpatia de seu técnico, Manolo, antigo companheiro de ataque, mas mesmo a paciência deste, estava esgotando-se. Manolo também não estava muito seguro no clube, após os resultados das ultimas rodadas, mas pelo menos, podia sacá-lo e preservar seu posto. Sentiu o cotovelo do zagueiro em suas costelas, e nem precisava olhar para saber a posição do adversário, adivinhar-lhe o olhar zombeteiro, antecipando sem dúvida mais um desarme.

Agora podia ver a silhueta da bola, despencando rápido em sua direção, e numa fração de segundo, ver que o goleiro, no alto de sua prepotência continuava adiantado a gesticular com o lateral direito, sem ao menos prestar atenção ao jogo. Fingiu mover-se para a frente, como um falso passo de ballet, deliberadamente lento, o que aumentou a auto confiança do zagueiro, bruto e obtuso que lhe pressionava as costelas. A bola continuava a descer em velocidade vertiginosa, e agora o zagueiro estava a um passo atrás, pensando talvez que ele não a alcançaria. Sentiu-se confiante, como nos velhos tempos em que marcava sempre, parecia que o gol tinha um cheiro característico, muito peculiar, sensível apenas a olfatos muito especiais. O seu, após um longo hiato, estava lhe indicando a direção dos passos de ballet. O zagueiro grandalhão lhe deu um metro ou menos de espaço, e não acreditou quando o passo errático de dança transformou-se numa manobra mortal, em que ele, já com a bola dominada, passou-a entre suas pernas enormes e num movimento rápido chutou-a, encobrindo o outrora arrogante incrédulo goleiro. O estádio veio abaixo, e uma lágrima começou a brotar de seu olho esquerdo ao ouvir seu nome ser gritado pela enorme massa, que há poucos instantes o vaiava incessantemente. Lançou um beijo à torcida e correu em direção ao banco de reservas, feliz.

 

 

 

 

 

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Fragmentos


Estava ali esperando, ansioso, consultando o celular para ver as horas, uma vez que não portava relógio. Daquele lugar tinha uma boa visão sobre a ampla praça em frente, os carros passando, os ambulantes, as buzinas, o burburinho da cidade grande, os pombos que odiava tanto.
Sentia um certo desconforto momentâneo, esperava que essa sensação passasse logo, pois a angústia da espera o estava sufocando. Consultou o celular mais uma vez e apenas um minuto havia passado da última vez que o olhara, claro, vou fumar um cigarro, ou melhor, não, vou tomar um café. Havia visto um pequeno café logo ali na esquina, também com boa visão panorâmica da praça, era o lugar ideal para esperar e o líquido quente atenuaria a ansiedade e a angústia da espera. Longa espera!
Dirigiu-se ao café lentamente, o pescoço como um periscópio a perscrutar os cantos da praça, desviando-se dos demais transeuntes distraídamente, o pensamento fixo numa só idéia: qual seria a reação após tanto tempo? Será que aquela mulher ainda lhe causaria o mesmo efeito de antes, a ponto de fazer com que sua respiração se acelerasse, suas mãos suassem intuitivamente, o peito apertasse querendo explodir de alegria? Provavelmente não, isso foi há muito tempo, numa outra vida quiçá.....


continua.