segunda-feira, 13 de abril de 2009

A BOLA VEIO ALTA




A bola veio alta, e o brilho dos holofotes lhe dificultava a visão. Seria sua ultima chance, talvez não apenas no jogo, mas sim no clube. Já avistara Deraldo, seu substituto, aquecendo-se ao lado do banco de reservas. Não marcava há seis partidas, o que para um centroavante era muito tempo. Estava pensando em encerrar sua carreira de altos e baixos, pontuada por algumas contusões, mas ainda não se sentia em condições econômicas para isso, pois tinha dívidas, pensões alimentícias, pendências na justiça contra antigos clubes que nunca cumpriam o que haviam prometido em contrato. Sentia que o goleiro do time adversário estava adiantado, como era seu costume, e tinha uma antipatia antiga pelo adversário, que sempre menosprezava os atacantes dos outros times, e ele em particular. Ainda lhe doía lembrar-se da última entrevista do goleiro, que afirmara não temer o ataque de seu time, composto apenas por “jogadores veteranos e sem pontaria”. Realmente hoje em dia, não se sentia capaz de intimidar as defesas inimigas como outrora, pois sua explosão era fraca, sua arrancada lenta e sua pontaria, bem...sua pontaria deixava a desejar. Contava com a simpatia de seu técnico, Manolo, antigo companheiro de ataque, mas mesmo a paciência deste, estava esgotando-se. Manolo também não estava muito seguro no clube, após os resultados das ultimas rodadas, mas pelo menos, podia sacá-lo e preservar seu posto. Sentiu o cotovelo do zagueiro em suas costelas, e nem precisava olhar para saber a posição do adversário, adivinhar-lhe o olhar zombeteiro, antecipando sem dúvida mais um desarme.

Agora podia ver a silhueta da bola, despencando rápido em sua direção, e numa fração de segundo, ver que o goleiro, no alto de sua prepotência continuava adiantado a gesticular com o lateral direito, sem ao menos prestar atenção ao jogo. Fingiu mover-se para a frente, como um falso passo de ballet, deliberadamente lento, o que aumentou a auto confiança do zagueiro, bruto e obtuso que lhe pressionava as costelas. A bola continuava a descer em velocidade vertiginosa, e agora o zagueiro estava a um passo atrás, pensando talvez que ele não a alcançaria. Sentiu-se confiante, como nos velhos tempos em que marcava sempre, parecia que o gol tinha um cheiro característico, muito peculiar, sensível apenas a olfatos muito especiais. O seu, após um longo hiato, estava lhe indicando a direção dos passos de ballet. O zagueiro grandalhão lhe deu um metro ou menos de espaço, e não acreditou quando o passo errático de dança transformou-se numa manobra mortal, em que ele, já com a bola dominada, passou-a entre suas pernas enormes e num movimento rápido chutou-a, encobrindo o outrora arrogante incrédulo goleiro. O estádio veio abaixo, e uma lágrima começou a brotar de seu olho esquerdo ao ouvir seu nome ser gritado pela enorme massa, que há poucos instantes o vaiava incessantemente. Lançou um beijo à torcida e correu em direção ao banco de reservas, feliz.

 

 

 

 

 

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