terça-feira, 3 de julho de 2012

PAROLE, PAROLE



Voltei mais uma vez àquela casa. Relutante, como sempre. Minha vó habitava ali e sua extrema sabedoria me inibia e me afastava para longe. Mas desta vez eu definitivamente precisava ouvir seus conselhos. Lembrava-me das horas vazias, intermináveis que fitando o teto da humilde casa, vigas descascadas à mostra, destino oculto por detrás de uma penumbra difusa, esperei o futuro se apresentar e me recolher da insignificância involuntária.
Voltei, no entanto, para tentar apaziguar meu coração aflito. Ela como sempre, me fitou serena, seus olhos tão cheios de amor que me fuzilavam acusando minha incapacidade de retribuição.
— Vó?
— Meu filho, você está tão magro — começou na eterna cantilena de todas as avós do mundo.
— Vó, o que eu faço com as palavras que digo e depois me arrependo de ter dito?
— Meu filho, palavras são como pedras: se planejadas, colocadas uma a uma, com capricho em cima de outra, constroem-se com elas pontes, estradas, cidades, castelos. No entanto, se soltas, disparadas aleatoriamente, podem matar, mesmo àqueles mais fortes, como David fez com Golias. São armas letais.
— Vó....mas as tais pedras atiradas a esmo, sem pontaria, não podem ser recolhidas e com elas recomeçarmos nosso castelo?
— Depende, meu filho. Se você as recolher cuidadosamente, com muito amor e do outro lado, quem foi atingido também tiver este mesmo amor, juntos podem sim, construir o que quiserem. Principalmente pontes.
Me despedi e não aceitei o pão sempre quentinho e o leite que me ofereceu. Não queria que visse, que pela primeira vez, meus olhos estavam úmidos. Aquela velhinha.....


Cezar F. “mais uma crônica bestinha de um cotidiano aleatório....”  junho de algum ano aí.

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